Tutte Bianche

0
13:04

MINHA LUTA NO IMPÉRIO (1) – Entrevista com Luca Casarini (2)
Enrico Pedemonte

Embora antiga, esta entrevista com o líder dos Tutte Bianche pode dar uma boa idéia das táticas e ações promovidas por este lendário grupo, agora extinto, transformado como foi nos Disobedienti. Os Tutte Bianche usaram métodos de ativismo defensivo antes inéditos, como enormes proteções corporais e escudos, e faziam suas carreatas ao som de tecno. Com um visual mistura de ficção científica e armadura medieval, eles foram, juntamente com Luther Blissett, a mais completa tradução do ativismo pop mitopoético, que ainda hoje influencia vários grupos, como os britânicos Wombles.

.................................................................
Impedir o G-8 de Gênova sem quebrar
uma vidraça sequer. Com Armas
medievais, provocações e fantasia.
Para dizer não à globalização.

Se os Tute Bianche(3) fossem uma empresa, Luca Casarini seria seu "homem imagem". Foi ele, que, em 26 de maio, no palácio ducal de Gênova, declarou guerra aos poderosos do mundo. E, sempre ele, algumas semanas depois, tranquilizou a cidade dizendo que seus militantes se comprometiam a não quebrar nenhuma vidraça sequer. Oficialmente é o porta-voz desse grupo, que tem a Autonomia Operária como antepassado, descende diretamente dos centros sociais ocupados, mas que nos últimos anos, coincidindo com a revolta de Seattle, adquiriu uma imagem pós-moderna ao adotar uma nova linguagem e inacreditáveis macacões lunares de gaze branca com escudos de plexiglas e armaduras de espuma.

Por certo, os Tute Bianche são apenas uma minoria do multicolorido Povo de Seattle. Mas, com sua habilidade para administrar a comunicação, converteram-se, ao mesmo tempo, em sua vanguarda de combate e seu símbolo midiático. E Luca Casirini, paduano, 34 anos, diploma de técnico em energia térmica e com a fala colorida da região do Vêneto, é o profeta desse incrível movimento que fascina ao mesmo tempo em que inquieta. Nós o entrevistamos em Pádua, na festa da Rádio Sherwood, emissora, hà muitos anos, do arquipélagos dos centros sociais.

Enrico Pedemonte: Primeiramente ministro de Exterior, Renato Ruggiero, depois Silvio Berlusconi disseram que os objetivos do povo de Seattle são iguais aos do governo. O que está acontecendo?

Luca Casarini: Eles estão com medo. Já entenderam que este movimento está destinado a crescer. O fato de quem em Gotemburgo, na Suécia, houve 25 mil pessoas significa que em Gênova serão 200 mil: só nós levaremos 10 mil, prontos para ações de desobediência civil. E não é apenas uma questão de passeatas. É só olhar como estão se multiplicando, nos supermercados, nas prateleiras reservadas aos alimentos biológicos e para a crise das empresas ligadas aos transgênicos. como o Monsanto. Nossas manifestações acabam nas tevês do mundo inteiro: é como se fossem milhões de cartões-postais chegando às casas das pessoas.

E. P.: Observando os seus últimos movimentos, parece até que vocês dispõem de um departamento de marketing.

L. C.: Não, nada de marketing. Temos alguns especialistas em comunicação. Sabemos o que precisamos fazer para que falem de nós. Quando um jornalista do Giornale telefona e pede implicitamente que eu lhe dê algo para a primeira página, eu respondo: "Em Gênova vamos declarar guerra aos grandes do mundo". E eles realmente colocam na primeira página. Ou criamos a história dos "homens-ratos" que já estão em ação, sempre em Gênova, escavando nos subterrâneos. E eles engolem.

E. P.: É verdade que vocês disseram que iriam lançar bolsas de sangue infectado com Aids?

L. C.: Não, isso é armação dos serviços secretos. Basta verificar o nome dos jornalistas que publicaram esta história pela primeira vez: é gente que, tradicionalmente, mantém relações com este tipo de mundo.

E. P.: Que instrumentos vocês vão usar  em Gênova?

L.C.: Não podemos revelar. Mas serão armas criativas, projetadas para furar a comunicação e também um muro que circunda a zona vermelha. Instrumentos tão absurdos que ficam até engraçados.

E. P.: Vocês gostam de metáforas: Gênova é uma cidade medieval eis de volta o Império ameaçado pelos esfarrapados.

L. C.: Em Gênova criamos uma mensagem muito forte, baseada na metáfora medieval: buscamos inspiração em Brave heart. Queremos dizer que chegamos a uma nova Idade Média, na qual, de um lado, se têm o máximo de potência tecnológica e, de outro, crianças de 6 anos que costuram os tênis da Nike no Terceiro Mundo. As metáforas são um instrumento irresistível. A coisa paradoxal é que nossos adversários caem em todas. Quanto mais a gente fala de forte assediado, mais eles fantasiam a polícia deles de Robocop.

E. P.: Vocês são criticados: dizem que usam demais a linguagem de Hollywood, isto é, a linguagem dos inimigos.

L. C.: Usamos as linguagens vencedoras, aquelas que chegam até as pessoas. Não é por acaso que Hollywood vence. Esta é a sociedade da comunicação. Não podemos ignorar os códigos.

E. P.: Vocês estão brigando com a ala mais violenta do movimento. É também nesse caso a linha divisória é a estratégia de comunicação.

L. C.: A violência não têm nada a ver com isso. Estamos brigando para que a cidade não seja tocada. Se você incendeia uma casa, o proprietário vai ficar com ódio de você e vai pedir que a polícia seja ainda mais dura. O problema é conquistar o consenso dos cidadãos. A discussão violência / não-violência não faz sentido. Nós praticamos a desobediência civil. Queremos impedir o desenrolar do G-8. Queremos penetrar na zona vermelha que circunda o vértice. Mas é preciso discutir as ações com base na mensagem que chega até as pessoas.

E. P.: Qual será o principal slogan em Gênova?

L. C.: Uma idéia foi involuntariamente sugerida por Renzo Piano, que queria construir em Gênova uma imensa esfera de cristal cheia de borboletas: o "borboletódromo". Se ele tivesse realmente feito isso já teríamos a palavra de ordem para a nossa faixa principal: "Liberdade para as borboletas!". Que tipo de mente perversa pode inventar um símbolo como esse do borboletódromo? Seria um objetivo pelo qual valeria a pena arriscar a pele. Mas parece que alguma coisa vazou em uma coletiva de imprensa e o borboletódromo foi barrado.

E. P.: Em Gotemburgo a violência saiu do controle e a polícia atirou. Mau sinal.

L. C.: É. Quatrocentos Tute Bianche foram presos como medida de prevenção e mantidos fechados por quatro dias. É uma velha técnica do fascismo: limpar a área de subversivos antes da passagem do Duce. E depois a polícia atirou naquele rapaz enquanto ele fugia. É o início de uma nova ofensiva, acima de tudo política.

E. P.: O que significa isso?

L. C.: Primeiro o ministro de Exterior alemão, Otto Schilly, disse que era preciso tomar sistemática a prisão preventiva das pessoas perigosas. Depois de Tony Blair, falando de nós, começou a usar a palavra booligan. Blair é muito hábil: impôs o New Labour como uma coisa nova. É o que está tentando fazer conosco é uma opreração muito sofisticada. Quer substituir o termo "Povo de Seattle", que o imaginário coletivo tem uma conotação positiva, pela palavra booligan, profundamente negativa. Por último veio o Berlusconi, que traduziu booligan por teppista (vândalo).

E. P.: O senhor fala de imagem e de comunicação, mas nas passeatas de vocês a violência não é virtual, é pancadaria de verdade.

L. C.: A ilegalidade de massa é fundamental para mudar as coisas, desde os tempos daqueles que assaltavam os fornos. Berlusconi deveria saber que a prática da ilegalidade dá resultados. Se a lei sobre falsificações nos balanços sofrer alterações, isso será devido a alguém que reivindicou a coisa politicamente. Acho que ele entende melhor que ninguém o que está acontecendo.

E. P.: Por que?

L.C.: Porque Berlusconi conhece muito bem o mundo da comunicação: é dele a primeira experiência de eleições vencidas graças a um logotipo e a uma campanha de marketing. Ele costuma dizer: "O Povo de Seattle está fazendo girar pelo mundo uma imagem nossa como imperadores violentos, sitiados pelas multidões dos que estão fora dos palácio". E tem razão. É esta a nossa estratégia para vencer o Império. Aqueles que perguntam por que estaremos dispostos a lutar contra a polícia em Gênova deveriam ir ver como se vive no sul do mundo, onde está a maior parte da população mundial. Um bilhão e meio de pessoas sobrevive, segundo o Banco Mundial, com menos de um dólar por dia.

E. P.: A entrevista para o Espresso acaba aqui. O senhor teria dito coisas diferentes para o Giornale?

L. C.: Eu diria o seguinte: estamos organizando os nossos exércitos para o ataque por mar. temos uma nova fórmula de neoprene para macacões de mergulho que não pode ser detectada pelos radares.

Notas

1. Uma primeira versão desta entrevista foi publicada pela revista Lugar Comum (Rio de Janeiro: Nepcom / ECO - UFRJ, nº. 15, dez. 2001). Tradução de Eliana Aguiar.

2. Um dos porta-vozes dos Centros Sociais do Nordeste Italiano. Esta entrevista foi realizada antes das manifestações de Gênova.

3. Literalmente, "macacões brancos", grupo italiano do Movimento Antiglobalização.

Fonte: COCCO, Giuseppe, e HOPSTEIN, Graciela, eds. As multidões e o império – entre globalização da guerra e universalização dos direitos, Rio de Janeiro, DP&A, 2002, pp. 79-83.

 

 

 

ARQUIVO RIZOMA

Entulho Cósmico

Toda a palavra é um verso e todo o verso é um infinito

0 comentários: