A ARTE DA INADEQUAÇÃO

0
18:12

AndreKertesz-Distortion-thumb-600x452-20141

Fotografia | Andre Kertesz

 

Ser contemporâneo é andar de cabeça baixa com seu aparelho de última geração daquela marca famosa que ninguém conhece de fato, atravessando a rua ou indo para o ponto de ônibus ou simplesmente batendo um selfie no meio do grande congestionamento cotidiano. Talvez ser contemporâneo seja pedir a volta da ditadura porque a também distorcida democracia ouviu alguns e não outros. Ou não, ser contemporâneo é ouvir música sertaneja que não é sertaneja, funks ostentação que ostenta apenas o desejo consumista e não a verdadeira conta bancária, ou usar o photoshop para forjar uma viagem pelos lugares mais belos do mundo. Meu Deus, ser contemporâneo é ofender pessoas de outras regiões por sua condição educacional e seus benefícios perante o governo. Ou simplesmente ser contemporâneo é atacar com racismo porque de fato o time de futebol é mais importante que as pessoas. Contemporâneo deve ser um apresentador que se diz vítima de racismo por ser branco ao mesmo tempo em que oferece uma banana nas redes sociais para uma pessoa negra.

Definitivamente ser contemporâneo deve ser fazer uns ‘rolezinhos’ para causar aquela impressão perante a sociedade e buscar aqueles minutinhos de fama. Quem sabe ser contemporâneo é roubar um carro mesmo sendo da família rica apenas para “causar”. Quem sabe ser contemporâneo é dirigir alcoolizado e matar pais de famílias e/ou arrancar os braços de algum jovem negro. Ou quem sabe ser contemporâneo é deixar os filhos serem vítimas da psicologia dos publicitários ou as filhas andarem mais pintadas que alguma dama já envelhecida de batom ultrapassado. Contemporâneo é falar em sustentabilidade para soar relevante. Contemporâneo é não se apaixonar por ninguém nem por nada e sim beijar todas as bocas possíveis e no fim da noite deitar com aquela mulher ou homem que no final das contas te fará menos solitário por algumas horas. Ser contemporâneo é fazer intercâmbio e depois voltar deprimido de morar no seu próprio país. Ser contemporâneo é sair nas ruas para protestar, mas só que não, era apenas para tirar umas fotos e jogar no Instagram. Não sei, acho que ser contemporâneo é cultuar a violência mas querer a paz. Hum, acho que ser contemporâneo é espancar mulheres porque enfim, elas resolveram terminar o relacionamento.

Ou melhor, ser contemporâneo  é ler livros sobre sedução, ser espontâneo e verdadeiro para quê? Ser contemporâneo é desprezar os grandes autores do cinema e venerar algum grande filme de vampiro adolescente, porque afinal, são menos chatos e mais populares. Ser contemporâneo é ter orgulho de ser hetero mas também ter orgulho de ser diferente não sendo isso. Contemporâneo é lutar, brigar, matar e ir arduamente para o estádio toda a quarta ou domingo para que seu time seja campeão de alguma coisa, mas sentir preguiça de ir votar num domingo a cada dois anos. Ser contemporâneo é votar nulo, até porque, que novas ideias podem surgir para mudar de fato este país nas urnas? Ser contemporâneo é vaiar a presidente pelos gastos na copa, mas fazer isto de dentro do próprio estádio construído com este dinheiro. Ser contemporâneo é ser contra as graves de alguma classe de trabalhadores, além do mais, eles atrapalham o trânsito daqueles que ganham bem. Contemporâneo também é ver mulheres se humilhando em programas de TV pela efêmera fama. Ser contemporâneo é não saber bem qual faculdade fazer, afinal, queremos fazer tudo ao mesmo tempo, ou melhor, ser contemporâneo não é fazer a faculdade dos sonhos, porque sei lá, não se ganha muito dinheiro com esta profissão.

Ser contemporâneo neste mundo é se submeter a todas as sensações, desejos, tentações, consumos, moda, modinhas, gírias, compras, feriados, religiosos ou não, possuir, descartar, querer o que não precisa precisando, se cansando, buscando sei lá o que para ser feliz, não sendo, sendo, depois, insatisfeito, desfeito, refeito. Queremos tudo e um pouco mais que isso. Queremos ser contemporâneos, só isto basta, mesmo que no fim de tudo, ainda estejamos vivendo como nossos pais, como bem cantou Elis Regina.

Para terminar, ser contemporâneo é escrever esse texto, mais um, entre milhões navegando e naufragando na grande rede. Ser contemporâneo é não ser lido e se for lido, ser deixado, abandonado, esquecido ou não, não importa, algo importará mais daqui umas horas.

Nada mais contemporâneo que o esquecimento.

 

--

Por | Andrey Tasso

Entulho Cósmico

Toda a palavra é um verso e todo o verso é um infinito

0 comentários: