Homens e Mulheres Touch Screen

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Por | Andrey Tasso

Se pararmos um pouco para olhar para o lado, muito provavelmente, vamos encontrar. Estão de cabeça baixa, olhos fixos sobre a tela sensível, até mais que eles mesmos. Ou debruçados sobre os teclados, não de algum mágico piano, para longas e enigmáticas conversas onipresentes. Não são todos logicamente, nem todo mundo tem condições de desembolsar uma pequena fortuna para acompanhar a dinâmica tecnologia. Alguns resistem, outros roubam até, para ter. Outros berram “minha vida estava lá!”

Enquanto eles se misturam pela realidade virtual irreparável a paisagem os convida a contemplação. Perto dali é possível enxergar as crianças fugindo das mãos acolhedores de suas mães e partido em corridas mais extensas que a distância entre as galáxias, mas que duram apenas algumas calçadas. Ao lado, o senhor de idade caminha olhando para todos as direções após sair do banco, precisa comprar os remédios que o manterá vivo por mais alguns séculos. Cães esperam a passagem dos caros confiando em nossas percepções de segurança e esses carros parecem mais psicopatas enlatados dirigidos por ciborgues apocalípticos. Pássaros riem, mulheres mexem nos cabelos milhões de vezes por segundo. Homens da construção civil uivam mais que lobos cortejando sua futura caça e esta acuada e desejada passa em frações de segundos. Um casal briga no aglomerado da feira coberta e um avisa o outro para não esbarrar na mulher grávida que espera o filho para outro milênio. O Mundo não para, é óbvio, talvez quem tenha parado somos nós.

Publicitários e afins exaltam seu poder psíquico. Sua elementar influência comportamental, psicologia barata, cara aos bolsos do proletariado. A cada nova invenção, entre elas, redes sociais (algumas até prometem agora, financia o usuário!), mensagens decodificadas nas telas ocultas, diálogos impossíveis à quilômetros da realidade. Guy Debord deve estar dando verdadeiras gargalhas em nossas faces gélidas, derretidas pelo wi-fi, um verdadeiro super-herói futurista, oculto mas necessário. Eric Arthur Blair deve estar tomando seu café enquanto escreve os dramáticos anos de nossa história moderna e patética. Onde estão os jovens pensadores, ele me perguntaria. Responderia que eles estão pendurados em seus aparelhos como um inseto seduzido pela lâmpada mágica do novo milênio, inclusive eu, respondo confessadamente.

Agora mesmo, estamos submersos nas barbas de alguma Microsoft da vida, fazendo algum download de algum livro que jamais procuramos em alguma rara livraria esquecida nos becos da grande cidade. Descarregando músicas pelas entrelinhas anônimas, lutando contra vírus metálicos e limpando as lixeiras do destino. Velozes, nosso olhar percorre as barras rumo ao infinito, nossos sorrisos preparam a próxima postagem para se mostrar. Eles estão aqui, são crianças, mudas crianças que desconhecem as alegorias escondidas em algum quintal. Também são adolescentes, seus lábios são logo preparados para a próxima foto, o próximo tour pelos comentários, a próxima ida à academia e depois tudo isso novamente para logo depois tudo ser descartado e depois reprocessado à gosto da televisão e da próxima viral, moda. Música, estilo, estrangeirismos estilosos nas placas sedentas: Fitness, drive tour, Cupcake…Ostentação tupiniquim para abarrotar a caixa de curtidas e a fama para entre os amigos, admiradores, inimigas, até íntimas e uma olhada depois, antes de ir dormir, naquele site e saber se alguém comentou àquele desabafo que você deu, após um longo dia de trabalho ou dar aquele parabéns para o amigo, após receber um alerta programado no site.

O mundo virou uma pequena ilha. Estamos tão perto de pisar em marte mas tão longe de saber cuidar do nosso próprio jardim, o que faremos lá? Enjaulados pelo dinheiro, pelo mercado de trabalho cada vez mais exigente, reféns da cultura do descartável, amantes fies da lógica do mercado, como zumbis cibernéticos como disse o pensador Hakim Bey, marionetes da próxima onda, imitadores de gestos para sermos aceitos, fazermos parte da aldeia global, da mecânica da globalização, da felicidade pelo consumo, pelo ter e não pelo querer. Para no final das contas, tocarmos a vida como em uma tela sintética, fina, jamais de fato, jamais realmente nas profundezas, jamais se conhecer, jamais apenas contemplar, pensar, simplesmente reinventar, recriar um novo, não um novo paradigma para ser espetaculazado, apenas a mais sincera inquietação do pensamento, do diálogo, do levantar a cabeça, olhar as nuvens, os arco-íris, as estrelas, o amor que pode estar ao lado, os animais, as crianças. Passar pela vida não como um usuário que digitou seu password e descortinou um perfil, passar pela vida para além de si mesmo, seja esta experiência o que for. Desconhecidamente sua, minha, nossa.

O tocar, uma das nossas experiência mais profundas.

Entulho Cósmico

Toda a palavra é um verso e todo o verso é um infinito

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